Ex-alunos compartilham a emoção em poder contribuir com a escola onde estudaram

Os anos 1940 e 1950 são respectivamente quando Camilo Andre Mercio Xavier e Luiz Octavio Junqueira Figueiredo entraram no Instituto de Educação “Otoniel Mota”. Essa foi uma época na qual o analfabetismo abrangia cerca de 50% da população acima de 15 anos e as escolas secundaristas eram escassas. Aqueles que terminavam o primário precisavam se submeter ao exame de admissão para entrar na próxima etapa escolar, que durava quatro anos. Depois disto, era necessário escolher entre o científico, o clássico ou normal. Este último era destinado às meninas que seriam professoras primárias e aguardavam para se casar.
Camilo e Luiz Octavio seguiram o caminho do científico. Em comum estes dois homens também compartilham a certeza que devem muito à escola pública onde estudaram, hoje chamada de Otoniel Mota. Por meio do conhecimento, do contato com os professores e da construção de amizades, moldaram uma parte importante dos seus valores. Principalmente, ficou neles a crença que a educação é transformadora. Quando bem orientada, ela forma não apenas profissionais, mas pessoas completas, cidadãos inseridos de forma plena na comunidade em que vivem.
Este é o caso do Dr. Camilo André, ortopedista, formado pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre nos anos 1950, e professor titular aposentado da cadeira de Ortopedia e Traumatologia e de Bio-Engenharia da USP de Ribeirão Preto. Médico e poeta, ele acumula prêmios literários e acredita na cultura e na leitura como a base para a formação escolar.
No Otoniel Mota ele afirmou ter recebido aconchego e crescimento intelectual. Foi membro do centro acadêmico e participou das atividades culturais da escola, que considerou ter sido uma alavanca que lhe deu condições para avançar na vida. Dos professores, Camilo lembrou serem “pessoas relevantes na sociedade” ribeirãopretana, com eles obteve uma “ponte cultural”.
Edgardo Cajado foi o primeiro a vir em sua memória. Médico por mais de 30 anos, ele foi diretor do Gynásio do Estado entre 1931 e 1954. Camilo o descreveu como uma figura exigente, temida, mas que marcou profundamente sua vida. Lembrou, inclusive, de ter sofrido “algumas penazinhas” aplicadas pelo médico-diretor. Outro que saltou em sua memória foi Dr. Paulo Valentie de Oliveira, ginecologista formado na França, lecionou ciências naturais, mas também era um apaixonado por fotografia, tendo sido parte do primeiro grupo do Cine Foto Clube de Ribeirão Preto. Romero Barbosa, que também foi diretor entre 1965 e 1968, foi descrito como “figura efusiva, que contava grandes histórias”. Com os olhos brilhando e um sorriso, de repente Camilo voltou a ser adolescente. À mente vieram as poesias decoradas e recitadas para a professora de espanhol, “uma graça como mulher”, que todo o grupo de meninos admirava.

Depois de uma vida estudando em escola pública, o professor Xavier, como é conhecido, afirmou que precisava “retribuir de alguma forma” tudo o que recebeu. E a sua retribuição veio com a iniciativa de dois projetos: a Arca Cultural e a Incubadora Cultural. “Tudo que faço entra dentro de uma malinha que eu levo de mão”. É assim que Camilo Xavier descreve a sua devolutiva social para os alunos da escola Otoniel Mota.
Em 2010, quando era presidente da Academia Ribeirãopretana de Letras, ARL, inaugurou o projeto da Arca Cultural em um stand no Palace Hotel, na Feira do Livro daquele ano. Posteriormente transferida para o Otoniel Mota, a Arca começou com a exposição de obras de escritores de Ribeirão Preto para conhecimento e consulta por parte dos alunos. Também passaram a ocorrer palestras dos membros da ARL. Contribuindo para formação humanística dos estudantes, tornou-se um projeto itinerante com acervo de escritores ribeirãopretanos.
Em 2014, Camilo, junto com outros idealizadores, entre eles, Heloísa Martins Alves, Elaine Assolini, Alberto Gonçalves e Alexandre Salgado, lançaram a “Incubadora Cultural”. O projeto foi concebido para o público jovem em parceria com a escola Otoniel Mota e a Faculdade de Medicina da USP. A ideia começou com um concurso de textos com o tema “cultura”. “Eu sempre quis mostrar que é possível as universidades, que as vezes são um pouco isoladas, conseguirem trabalhar junto com a coletividade, eu acho que falta um pouco esse tipo de interação”. Foi com essa certeza que o projeto foi desenvolvido, tendo como resultado a publicação de um livro, divulgando os textos e artes visuais produzidos por alunos e professores do Otoniel.
Para o médico-poeta a escola precisa ser encarada pela comunidade como um bem de todos, porque ela é o “templo da educação”. Um pertencimento que ele tem certeza que deve ser fortalecido com a participação das pessoas na vida da escola das mais diversas formas.
Essa também é a opinião de Luiz Octavio Junqueira Figueiredo. Formado em agronomia pela Esalq, USP, ele é um dos principais empresários do ramo agroindustrial da região de Ribeirão Preto. Nascido nos anos 1940, ele entrou para o então Instituto de Educação Otoniel Mota com 11 anos, em 1954, e saiu em 1960. A escolha foi definida pela certeza que essa era a “melhor escola de Ribeirão Preto”, reunindo um “corpo docente e discente extraordinário”. Para ele, era um exemplo de escola que incentivava a dedicação e o esforço dos alunos, por meio de uma disciplina rígida e de professores exigentes.
Entre eles estavam Lucy Musa Julião e Florianete de Oliveira Guimarães. Esta última foi considerada responsável por ter lhe incutido o gosto pela leitura. “Por isso, estou sempre acompanhando as atividades junto ao livro. Quando eu vejo lá em casa os Lusíadas, eu lembro dela, que exigia o estudo de todos os cantos. Nossa… Valeu!”, afirmou Luiz Octavio.
“Vossa Excelência o livro. A Humanidade deve muito ao livro”. Essa frase, dita pelo empresário durante uma entrevista para a 8ª. Feira do Livro de São Joaquim, diz muito sobre o legado deixado em sua alma pelos professores do Otoniel Mota. Hoje, Luiz Octávio não acredita em mundo melhor sem livros e leitores. Essa crença que o faz ser um incentivador de eventos como as Feiras do Livro de Ribeirão Preto e de São Joaquim da Barra, além de patrocinar a publicação de várias obras.
Sobre os anos vividos no Otoniel Mota, lembrou ainda da efervescência política vivida durante o governo de J.K. e do “fenômeno Jânio Quadros”. E era nesse clima que ocorriam os debates no Parlamento, normalmente aos finais de semana. “Os alunos viviam e era muito interessante”. Como outros contemporâneos, como Feres Sabino e Sérgio Roxo, Luiz Octávio também defendeu que esses debates devem voltar à escola, como forma de torná-la viva, envolvendo os alunos na discussão sobre assuntos políticos da atualidade.
“Eu agradeço muito o que eu recebi no Otoniel Mota, tudo o que eu aprendi”. É baseado nisso que para Luiz Octavio a melhor forma de retribuir é justamente apoiando a escola, na comemoração pelos seus 110 anos. “É o mínimo que eu poderia fazer. Mas, poderia fazer mais”, afirmou. Para isso, acredita que o governo precisa desenvolver outros mecanismos que facilitem o apoio da iniciativa privada.

Isso garantiria maneiras de participação de outros ex-alunos em ações de diversas escolas.
Terminou dizendo que o Otoniel Mota foi o seu exemplo. Foi lá que ele consolidou a certeza que “todo dia é dia de aprender”. Finalizou afirmando que a “escola está presente no dia-a-dia do cidadão, porque todo dia nós temos que aprender alguma coisa em todas as áreas do conhecimento. Todas”.
Como Camilo e Luiz Octávio, muitos ex-alunos retornam às suas escolas de origem com sentimento de gratidão. Cada um leva em sua bagagem aquilo que aprendeu e deseja compartilhar com as novas gerações. Outros exemplos como esses estão espalhados pelo Brasil, mas acreditamos que é possível aumentar esse envolvimento entre o cidadão e a escola, por meio do fortalecimento dos laços de pertencimento e da certeza que a educação é uma construção coletiva.
“Educar cidadãos e educá-los com maestria – partindo notadamente de uma concepção meritocrática -, é uma arte… um ofício, tão nobre quanto difícil, especialmente quando se consegue exercer este mister há 110 anos. Parabéns por perseguirem este ideal diurtuna e incansavelmente. Sinto-me honrado e profundamente agradecido por ter participado desta história de sucesso, como um dos muitos alunos que esta consagrada Escola forjou.”
Luiz Octavio Junqueira Figueiredo
Fonte: Capítulo do livro “Memórias de uma escola: 110 anos do Otoniel Mota” (2017), publicado pela Fundação do Livro e Leitura, através do patrocínio da Usina Alta Mogiana, de São Joaquim da Barra/SP. Para conferir a edição impressa na íntegra e baixar o e-Book na versão on-line, clique aqui.